quinta-feira, setembro 23, 2004

Os melhores deficientes do mundo

Estávamos em Julho, antes das férias. No TIC. A testemunha trabalhava para uma instituição de acolhimento e acompanhamento de deficientes. A testemunha era inquirida e entrou em diálogo com a Sra. Juíza. Que aquela instituição era o máximo, que os deficientes estavam muito bem integrados na comunidade, que alguns até trabalhavam na instituição. Que, por exemplo, tinham lá uma "anãnzinha", que só tinha um metro de altura, mas que era perfeitinha! Que não era, assim, desproporcionada, como os anões em geral. Que era tão querida a anãnzinha, que até era chefe de um departamento! E volta-se a Sra. Juíza: "Que giro, assim, tipo uma mascote"! E a outra: "Sim Sra. Dra., é como se fosse a nossa mascote"! E sorriam, em grande satisfação, por reconhecerem, talvez, o valor daqueles deficientes tão bons e, em especial, da anãnzinha perfeitinha. E a colega da parte contrária, sorria ora para a testemunha que apresentou ora para a Sra. Juíza. E a conversa proliferava, sobre os tais deficientezinhos, daquela excelente instituição, uma instituição que tinha os melhores deficientes do mundo!

Parecia bom ser deficiente. Parecia excelente existirem deficientes tão bons naquela instituição, até uma mascotezinha.
Entre os gestos excitados, as trocas de olhares repentinas, os sorrisos mais ou menos enrugados e sempre enérgicos, a alucinante articulação de palavras sempre à volta do mesmo tema, entre tudo isto, sossegado, no meu canto, perguntava-me onde estariam os verdadeiros deficientes.

Às vezes não nos apercebemos e deixamo-nos levar por esses caminhos da demência, ainda que momentânea, mas suficientemente perturbante. E não acontece só fora dos tribunais.